domingo, setembro 09, 2007

moi

alguma coisa saiu da boca. branca e gosmenta dizendo que te amava. antes deu pensar ser idiota, levei-a contra o peito e disse ser meu, todo meu aquele sentimento maluco, oblíquo, pirado e pira como um pirarucu.

alma não tem cor

o ar hermético que lhe imponho trata, apesar de ser tudo o que preciso, de dizer com o silêncio o que com os ouvidos não ouvimos, se torna a nossa estratégia crucial de troca.

saiba morrer o que viver não soube

e quando me aproximo,
do teu corpo,
pois assim chamo qualquer coisa
que me esquente a nuca
e por entre vozes e suores
às vezes só uma palavra te continua,
é quando penso estar mais míope do
que os velhos cegos do castelo
perco a inconstância de entender
a imagem o tempo todo e monto
outras imagens que dentro de mim
talvez não percam seu sentido.
e quanto tento explicar-te o
quanto amo e o quanto temo
sai das minhas entranhas sonidos
que me estranham e também me temem.
é mergulhar em dizer-te algo
que não se afoga.
que sempre me engole por assim
tentar roubar do presente
o ínfimo infinito que é.


*'saiba morrer o que viver não soube' - frase roubada do bocage

nine out of ten movie stars

a vida que eu te conto em miúdos, e ponho caetano pra ouvir enquanto você vai pro banho. os poros das suas costas sugam toda minha energia, porque minha energia é ver a vida que me apresenta assim tão bizarra. elegante, superhermética, para não dizer superhomem, solstício de verão no hemisfério norte. e te amo porque me comes toda a compreensão de ser algo. sou porque paro as frases no meio. sinto os revezes que a alma encontra. depois de olhar. depois de te olhar sempre.

engulhos

levou o vinho até a boca, pensou no simbolismo daquela taça, depois descartou qualquer ideologia composta e molhou os lábios. sentiu o aroma, quis saber como sentir,. não tinha lógica nenhuma, muito pouco pensava na morte. é redundante morrer? realizar a morte, se já morro todo dia. deitou o peito sobre seus ouvidos, encaixou-se no meio e quis acabar com o infinito. mas o coração pulsando a assustou, sentiu que ser vivo é quase tão absurdo.

escrevo uns poemas existenciais e durmo no primeiro copo de vinho.

incertos

chegou em casa, procurou a menina, deve ter percebido que as imagens lhe vinham sóbrias demais. ou incertas, porque escolheu beber um litro de vodca. de leve, a menina sabia, que ela poderia ter chegado, mas não se importou, engoliu de pouco um vinho, e mergulhou na idéia de saber ir embora. num ponto do dia as duas se encontraram, o que você bebeu? - to com cheiro de bebida? - . talvez a menina não devesse prosseguir o assunto, pensou tê-la abraçado e confortado todas as suas dores, mas quando abriu os olhos, ela ainda exalava o mesmo cheiro, e distante. embebeu-se de uma mistura de ódio e amor reprimido, e soltou lágrimas sem saber muito como e porquê. a outra olhava-a assustada, não entendia como aquilo tudo fora acontencer, e muito menos conseguia estender mais um pouco a mão, secar-lhe o rosto. baixou os olhos, não entendo você - .. os olhares mal resolveram-se e calaram. de noite, na cama, entre gritos e pedidos, a menina levou-a até o peito, disse que estava tudo bem. levantou, beijou-lhe os lábios e foi embora.

s

imagina, eu era um homem, e enquanto confundia minha mulher com você, te comia. enfiava minhas espátulas no fundo da sua garganta, porque agora amígdala não se chama mais amígdala e sim toncíla. sentei no bar, o frio congelava as têmporas, dizia a ti que eu não tinha têmpora nenhuma, nem tempo, se é que eu podia fazer uma rima besta dessas. o dia inteiro bebi vinho, e vinho do bom, porque dessa vez eu peguei de casa escondido, embrulhei num saco plástico, vim bebendo de mansinho no ônibus, e ia imaginando a desculpa bebada que eu tinha pra te ver. à noite, cansada de choro e de querer transar contigo, deitei minha cabeça na mesa, algo como quem diz: me afaguem os cabelos, ó pessoa. minha nuca abandonada fugiu por aí, e levantei o queixo percebendo que todas as caras se viravam. todas menos a sua, e menos a de todo mundo, na verdade, só a menina que eu tinha desprezado a alguns minutos é que não conseguia olhar para mim. te morderia, é óbvio que eu te morderia, e minhas mãos fincariam em qualquer parte do teu corpo, assim como fincam minhas lágrimas. e não é choro. ou pelo menos não é tristeza. a tristeza eu vomitei naqueles trocentos goles de vinho com gin e rum. era gozo, porque chorar também goza, ou gozar também chora. era você entrar em mim nessa mania que eu tenho de descrever o passado com a minha existencia fétida e bizarra.

que bosta

fio

é como acordar à noite, não saber se dormiu muito ou foi só cochilo, confundir a água da descarga com a chuva, com aquela porra da torneira pingando. é como começar tudo com a mesma palavra. é comer as bordas e não engolir completamente nada. é existir assim pra sempre triste, existencial, poético, e querer arrancar da saliva, dentes que te façam menos dramática, menos porca.

usar o clips em vez de fio dental, saber que não tem problema beber aquele resto do suco que ficou na boca, seu, meu, sei lá de quantas confusões. reclamar a beça, morrer na praia todo dia. porque a gente morre, e a gente também não se importa.

curadores feridos

inventaria a dissolução da tristeza à todos aqueles que não amam e que por entre coisas e espinhos me esquecem. por trás de copos e cabelos, durmo. sinto dormir meus pensamentos também, já que vivo. bebo esses gins vazios de amor, de estranheza, até de mim despregam. pago a conta dos meninos, vou embora. saberia dizer-me se a ferida ainda cura? acordo cantando para distraí-la, talvez não devesse fazer tanto barulho. esperei o dia inteiro para dizer que te amava, perdi as salivas no canto da boca, me engolia de gula? mergulho. salve o amor - dos não amados. a manhã me encanta, a tarde me culpa, a noite me enlouquece.

ao vinho, que ainda me ajuda.

triste suporte

morrer no
parto,
partir
na
morte.

lábios de fruta

esperar o subjugo
da solidão
como comer esses
espinhos inconscientes
de beijar teu
corpo, imagino.

salto a montanha,
pulo n'água profunda
se a água não
me gelasse antes
os olhos e as
expectativas.
te amaria

fc

seu desleixo desapropriadamente convulsiona minhas palavras confusas. não sei qual verdade de mim devo apresentar-lhe e confesso, me seduzo muito. preciso de um minuto para pegar um copo d’água, talvez mais. entrei pela sua porta, você foi me buscar com os olhos, talvez até com os pés. me pergunto, basta chorar para que você se comova?, ninguém chora nunca. a não ser eu, a teus pés, criatura bisonha, pedindo timidamente um colo. é seu dever comigo, é o dever humano estar com a gente mesmo. me estende lenços de papel, eu digo não, molho tuas coxas com lágrimas inteiras, sempre escapando. posso te dar um soco? posso quiçá depois puxar teu ventre até mim? arrancá-lo? pois você não tem ventre nenhum. não sei qual falta de pudor move essa cadência nossa. é apavorante te abraçar a mil metros de distancia, no quê afinal, teus braços correm? no quê te socorrem? sinto teu coração pulsando no meu ouvido, vibra meu corpo inteiro, teu corpo não vibra nada. pulsa, coagula, estanca. corro na rua, sento nesse asfalto sujo, sinto minhas mãos suadas, meus pés gelados, olho teu carro parado quarenta mil anos. procuro um esconderijo dentro de mim, agacho por detrás dos galhos, arbustos secos, espero, inútil você sair qualquer hora, entrar. desisto em dois segundos, vou andar por aí, encontrar os meus encantos. vinho, quero beber wisky, não bebo nada. fico com sono, preciso dormir, quero chorar de novo, encharco tua pele inteira, demoro. liquidificam todos os santos pensamentos, não durmo de jeito nenhum,. bobagem. recuo. sinto teu peito oco, maciço, transo com todo mundo, transa comigo? espúrios bizarros.

mar e filosofia

Qualquer coisa de triste havia me tocado a pelve. Perguntei seriamente se a verdade era tua ou minha. Talvez nossa se eu não tivesse chorado tanto e tantas noites seguidas. Deitamos eu e você lado a lado na areia. Senti muitos mares me tocando, muitos ventos, mas meu coração que antes te amava, deve ter ido embora, e por quase muito tempo, ingenuamente até esqueceu que você estava ali. Aproximou seu ouvido do meu, ouvi tuas necessidades de se entregar e fui correndo pro mar, como uma boa moça que não se importa. E não me importava mesmo, só queria estar longe de você, longe de mim. Dei algumas braçadas na água, gelavam-me o peito inteiro. Vez por outra te olhava para ter certeza de que ainda me seguia. Me seguia sim, mas autorizado por outra coisa maluca que ainda tinha malícia.

Resolvi me aproximar, havia prometido isso a ti, disse para que voltássemos à areia, voltamos. Deitamos mais uma vez para o céu, para o sol, e para nós, tudo já se perdia. Meus dedos logo acariciavam os teus, e como um corpo que não se entende, minha boca comia areia em busca de não te alcançar. Virou-se de lado, pôs os lábios no meu pescoço, e esperou que eu tomasse a decisão. Peguei tua boca e pus dentro da minha. Engoli tuas salivas enquanto imaginava estar gostando ou não, daquele beijo. Talvez fosse bom, e talvez eu não precisasse te amar tanto para querer, de repente, tocar você.

Paramos, pegamos fôlego, você riu como se a nossa relação tivesse sido sempre essa, como se eu tivesse sempre não-te-amado e mais, como se você não tivesse reparado nenhuma mudança. Quis te castigar de alguma maneira, mas não era raiva o que eu sentia, era querer te desejar tanto quanto antes pra poder também te odiar. Você olhou para mim, e como se não precisasse de mais céu nenhum, sugeriu que saíssemos dali. Consenti com os olhos e saímos. Tirei a areia das mãos, molhei minhas pernas, fui correndo à sua frente enquanto suava e secava meu corpo.

No carro, mais filosofia e uma expressão meio sem graça de quem já ia trepar. Não por mais, Trepamos. Mas só com a sensação, porque dessa vez eu não quis. Pedi para que me deixasse em casa, sem menos, você com ar de quem sabe de tudo e de nada calou e me disse sem surpresa nenhuma: tudo bem, a gente trepa outro dia.

alucinam

A praia, algum beijo, algum pejo e tudo enforcava numa noite só - de dia - porque a luz do sol me cega - constroem castelos e infernos medievais.

boca seca, garganta seca, Angústia - seca.

pergunta seca - valeria assim? - talvez - acho que é tudo mentira, Posso Me atirar do poço?? - não - por quê? - é vaidade - sua - morre logo - choro - corro

Corre por entre minhas lágrimas que nunca alcançaram teu rosto. morre por entre meus ossos pesados levitando meu-teu vazio amor. tu me perdeste, será? talvez nunca me achaste. talvez tua carne crua na minha seja a nossa pior mentira. como teu beijo, cuspo esses lábios que não me encontram nunca. entenderias-me se talvez fugisse?

bebo o mar inteiro, morro na praia
completamente nua.

e nu assim de ti
vivo

conheci uma velha senhora:

não gozo faz meses. e a senhora goza sempre? ponho a mão lá. que bosta hein. o quê? a tristeza. que bosta a tristeza? é. põe o domingo. assim? mais. sem problema? nenhum - tem gente que põe a segunda.

mar

deitei na praia fazendo aqueles anjinhos com os braços. é mais uma grande mentira praquele negócio de combinar a frase. deitei na praia fazendo aqueles diabinhos com os braços. respirava, meus ouvidos consumiam areia e o menino bêbado cambaleava até mim dizendo: quero te dar um beijo no sovaco.

vem, senta do meu lado, cochicha um pouco de barba na minha nuca e responde essa sua mesma pergunta: tudo bem, deixo pra beijar outro dia.

você acha que a gente pode voar? acho que a gente não. mas eu acho que a gente pode. - tá de brincadeira, ... tô nada... sério, voar?. é, levantar os braços e piar quiçá, sair ventando por aí, não acha? acho que não, acho que a gente não voa nem passarinho. nem curtinho assim? nada. então morre.

(morro) - (mas foi ele que morreu)

e aí, bonitinho esses diabinhos hein, foi você quem fez? foi, quando eu queria fazer poesia, igual esmagar formiga, pum, poesia, pum formiga. sei, meio dadaísmo né. não, o lance é desexprimir idéias e cravos e crateras enormes. qualquer dia.. é, beijo

tentou exprimir tanta coisa que o peito exprimiu para dentro, e afundou

nêga minha

de dedos gordos a negra amamentou toda a melancolia guardada nas pontas dos meus medos - vou ser triste pra sempre nêga? -claro que não minha filha, chôro também lava. - espero que sim, posso deitar no seu colo? queria ser neguinha igual você - .

perdas

embora o organismo se dissolva em ordem das esterilizações externas, a alma permanece intacta e age espiritualmente como sempre agiu. compreende dentro de si o ato pela comunhão e deus.

deus como o irracional.

se o álcool me purifica é porque perco a consciência de estar, mas não perco nada do que ainda posso ser.

bebemos e o espírito fica.

,

o homem precisa de calor para inchar suas essências. e de frio para queimar seus excessos.

o artista e o fim

o final não deve vir na hora certa, se nos arrastamos até ele é porque somos ou fomos tolos demais para não perceber que a estrada já desaguara em seu caminho. desde o ponto em que parti ponho outros pontos para marcar o instante agora enquanto a fumaça ainda seca meus olhos. deliraria caso o contrário meus olhos secassem a fumaça. passar dessa ponte é trair aquilo que define a poça limite entre a liberdade e o infinito. talvez pudéssemos chamar esse momento - ousadamente - de santificação.

ser artista é refazer o final, passar do ponto e não perdê-lo.

ground

meus pés pisam esse círculo que nos orienta. pisos de vidro, cacos, manchas do nosso sulco. tive que enfrentar muitas coisas para continuar pisando. esfreguei minhas cascas nas extremidades ásperas que é esse chão quente em dia de sol. sambei, sambei, até não poder mais sambar assim. enquanto meu dedão criava bolhas, me embebedava com a pinga daquela selva. via meus olhos tremendo, meu espirito inseguro que começava a brotar novamente para fora. descobri, mais uma vez, amar um homem de barba - você me pergunta porque procurar justificativas em tudo, mas me justifico - sei que é fraternal, afinal, meu pai tem barba e eu não tenho seios para grandes arranhões. preciso entender e estender a minha vida na terra. ao menos por um segundo no qual ainda não me encaixo nos trilhos. são concretos e urbanos, como fazer natureza no meio deles? quero que a água dissolva tudo que sobrou de mim, extrair os cravos do meu pé. sinto na ponta de toda a pele algumas questões mal resolvidas - ao curar sintomas, eles se transferem para outros lugares - pergunte-me a raiz do problema, contraio o sumo de muitas coisas e no momento não sei o que fazer com isso. tenho nas mãos uma sabedoria besta, emagrece, perde o sentido se é que não posso sincronizar minha alma dupla. acho que temos duas almas. a alma do corpo e a alma da mente, encarnar é equilibrar e mergulhar naquilo que pode existir entre as duas. é a junção das sensações de dor e desejo, porque dor é desejo, mas imbecilmente nascemos e nos criamos para separar os filhos das mães. enfrento muitos calos e tenho vontade de expurgá-los de mim. preciso, no entanto, que o líquido me santifique. outros calos virão, que sejam bem recebidos.

é por isso que meus joelhos vibram. porque há vida. e é no momento em que me escuto.

absinto-me-de-ti-mas-sempre-vivo.

fui lá em marraqueche, teerã, india, pra ver se te encontrava. mas acho que isso foi tudo sonho, uma mistura de caetano com mahatma. fiquei relendo as coisas e me culpei por ser tão relida. pedi todos os dias de jejum e desabsintações para que eu pudesse ter um corpo novo. não encontrei nenhum pra vender, nem sabia se isso se vendia. voltei a dormir como se antes meu sonho não fosse acordado. não conseguia achar lugar nenhum na cama, como você sempre sabe, devo ser eternamente fora dele. (do lugar). de qualquer forma quis fechar os olhos e consegui, acordei doendo as costas e não sabia se o melhor era acordar. percebi que o ar de ontem ainda estava em mim e que eu precisava de um banho para me desentulhar. mas nunca entendo quantos banhos a gente precisa por dia, tem vezes que não é suficiente. sei apenas que as coisas envelhecem. que as coisas passam. e que precisamos perceber o tempo de cada um. sei mais ainda, que as coisas novas que se tornam antigas, quando são novas de novo todo dia são bem mais bonitas. e aí faço assim, tiro toda a poeira agarrada de mim ontem, deito no chão, e abro o peito, para que elas me agarrem de novo.

para que te pareças

Comeste minha língua
antes que pudesse
transpassar o sal
da ponta dos teus olhos
nas minhas memórias
estremas

num rompante: envelheces.
és toda prosa e pede
para que me retire.
se não pede, é assim
que te como a compreensão, seus
toques me avessam
e avesso por nós.

sem saber se sambo
ou colo. minhas impressões
não enxergam as tuas.
seja por fim
para que te pareças: fujo.

encontro

dois caramujos se encontraram. de leve testaram suas cascas, para ver qual mais pesava. de longe nenhuma das duas sabia medir o tamanho e o peso das casas. nem as cascas, nem elas, que no caso poderiam ser duas caramujas. se encostaram e com medo de dormir não fecharam os olhos. tentavam conversar, mas toda conversa só ia até a ponta da língua. e caramujo tem língua? se indagava um visitante noturno. deve ter língua do pensamento. eu não deixava a música chegar no final, mas eu não estava na história. com esforço, um dos dois, de vez em quando punha a perna para fora. não muito, para não desmedir o lugar em que estava. o outro fingia não ver, que olhar era muito perigoso. ou perigava mostrar-se demais. vinham-se chuvas, mas bem distantes, tão distantes que era preciso perceber que o tempo lerdava. no caso de estarmos contando a história do avesso, a chuva era matéria passada. o jardim já havia molhado e secado. mas quem percebia? senão talvez o visitante, que estava fora da casa. um outro enfim resmungou. disse querendo dormir. teve pronto silêncio, mas foi só impressão. de breve o outro de lá respondia: se você quiser dormir, dorme, mas eu vou ficar acordado.

eclipse; medo

quando esse eclipse veio parar meus olhos
senti muito frio
não quis desligar o ar condicionado porque era mais fácil pensando em cobrir-me
acolher o coberto em vez de choro

todos andam dizendo nas minhas vistas
que ando muito equilibrada
se medo for desequilibrio
não seria sinuoso
pensar em leveza
ao menos leve tudo é

signo

é uma semântica completamente ensandecida.

esperar esse ponto informe
à despejar teu sulco, meu sulco
transgredindo-se de mim.

transforma tua proposital
ausência
como só:

saudade.

satírico seria?

não.

não quero ter preguiça

eu tenho inveja das pessoas que não tem preguiça. de todas as que não esperam pela segunda-feira, nem daqui a pouco, nem amanhã. de todas as que lêem os textos até o fim, que põem flores no vaso, que respondem as cartas logo que chegam, que lavam os pratos assim que comem, que fazem tudo na hora que tem que fazer.

uma vez indaguei meu pai, porque diabos ele enfeitava a mesa quando ia comer sozinho.

- para ficar bonito.
- mas pai, não tem ninguém com você.
- e daí?
- o que adianta você arrumar toda a salada se não é para a visita? por que você não come direto do pote? por que essas velas, e essas flores e tudo posto na mesa? por que você não come na cozinha que é mais pratico? por que você suja tantos pratos sem necessidade?
- gosto de me sentir assim. com as coisas bonitas.
- eu hein.
- é.

desejos

desejos
quis te escrever um livro
de mil e novecentas páginas,
fiz um poema.

beijei-lhe a ponta
dos dedos
e disse:

escrever-lhe-ia um livro
de mil e novecentas páginas,
aceite um poema.

um ponto.

oh que lhe chamarei carolina
com tuas faces rubras
de tão dúbias
me faria
uma canção
um medo
de tão escuro
tão apreensivo
me seria.

oh que lhe chamarei
menina
e de nina
há sempre
outros
e qualquer
amor para dar, que dou

cantos, em cantos
quando cantas para mim.

oh que lhe chamarei aline
e me venha
pequena
assaltar o
coração com tua
mão
bem maior que a
minha.

satisfação espúria do ego

tua cama, tua roupa, teu corpo molhado, desses cachorros estressantes que vem me acordar à noite. segredo! vem aqui com o meu sutiã! é o nome dele. segredo! vem aqui. tudo bem, liga o david bowie no rádio e a gente escuta tranquilão.

tava lendo um texto teu, meu camarada. Acho engraçado quando as pessoas falam assim, meu camarada! dou algumas risadas, mas teu texto é bom. Leva pra lavanderia e dá uma sacada quanta roupa velha está secando por lá. Te juro que ia fazer sucesso. mas você não tem muita cara de ser monocromático, monofóbico, mono qualquer coisa que eu vou procurar agora no dicionário. monossílabo, monopólio, monoácido. o lance é que é preciso prestar muita atenção nessas coisas. que do ego a gente só cuida escondido, mas tem que cuidar com cuidado. eu fico ouvindo abobrinha o dia inteiro só pra passar o tempo, eu sei que você também faz isso. a gente tem bastante coisa pra conversar. a gente tem muito pra se olhar e se estranhar., não é? quando dá pra ver a vida se fondo lá de longe e o pensamento é mesmo pensar que tem muito pra viver e pra buscar. mas eu queria mesmo é te ouvir de verdade. me contar tudo da vida que você acha que sabe. desdaquele dia, você mijando fora do pinico. o pinico mijando fora de você. eu escuto assim, tudo parecendo pouco pra me interessar. tudo me interessando desse jeito mesmo. parecendo pouco demais e eu acendo um cigarro, como eu nunca fumo. arranho meu tempo nessa nossa babaquice de ficar trocando e resolvo todos os nossos problemas. fico te esperando, esperando a vida me esperar. comunicação.

outrodia ele me perguntou se me comia de oito ou de quatro. porra, meu velho. não sei, desde que estourou essa alergia no meu dedo tenho andado tão só. engraçado é que só pode ser homem ou pode ser só-mulher. você entende quando chove? eu não entendo absolutamente nada. cachorro molhado na minha cama não, não, meu bem, tira ele daqui. re-escrevo as coisas tantas vezes que fico me perguntando o que é mesmo que eu queria desdizer. fico perdida nessa merda desse estado fora de controle. dessa tristeza que é sempre melancolia pra mim. Minas Gerais é um estado de espírito. Ou você ri ou você vai embora. Ninguém quer gente se sentindo sozinha aqui, entendeu? tomo uma cachaça todo dia. a menina nem pergunta mais o que eu podia querer, como se precisasse querer outra coisa. vou e grito assim desse jeito, irene! irenezinha, ô irene! chega aqui... e ela me trás uma branquinha. uma pretinha. uma azulzinha. uma de todas as cores. é bom. fico treinando de esterilizar essa minha alma que não é nada mineira.

não se preocupa em entender demais. entende só linha por linha. que senão você vai acabar essa merda pensando que é tudo dadaísmo. e não é. eu não brinco assim com dadaísmo à toa. brinco de outras coisas à toa, outras horas à toa. agora não. agora eu falo pra ir fundo no teu pensamento e você ficar pensando que porra é essa que tá entrando. olha bem pra mim. não me decepciona antes da chuva passar. tá?

choro contido.

quando o pó chega perto significa ter outra saída?velar uns olhos que ficaram em mim. mas era eu mesma. olhando pra dentro. querendo me aprofundar onde não tenho. querendo beber esse líquido que é só seu. que é só triunfo. que cai uterino, sango, mango, vango, rango. quando o pó chega significa estar perto? lembra de você e eu matutando essa idéia de se matar por ele. pela nossa liberdade, menos raciocínio. quando disse que você havia ficado esquizóide, não foi bem assim que eu quis dizer. quando eu cervejei na sua mente o mundo deturpado que você vivia, não era bem assim que eu queria te ver. é desespero. é pegar na tua mão pra entrar na minha pele. arrancar meu coração, que é assim, que você deveria fazer. que é assim que o seu superhomem mimado funciona. sem coração. que quando eu acordo de noite, lembro existir só eu e você. se teu olhar nunca mais pousar sobre as nossas lembranças, como é que eu vou poder sentir o mundo tão só. tão somente o teu segredo, tão somente a tua tristeza sem você. não me abandona peixe. que eu sou rio no mato escorrendo, roçando na mão meu peito aberto para te dar de presente. sou cão demais, idiota, sucinto, raso nas palavras que eu roubei. não pedi perdão porque eu sei que você me perdoa.rasgamos juntas o último café, o último alcoolismo. se eu quiser o pó de novo, você vem me salvar?

,

eu quero andar pelada, você quer ver o céu.

Capitu.

enchi o copo de gelo. não tinha um uísque. enchi uma garrafa de água. andei pra lá e pra cá, deixava respingar as coisas na cozinha. isso é água mineral, água mineral não se deixa respingar. num ímpeto de jogar o resto da minha sede na pia, dei mais um gole. não tinha nenhum copo limpo, nenhum, procurei as canecas, nenhuma caneca, uma só, suja. não confio nas minhas mãos limpando pratos. fiquei com o primeiro copo de gelo. o preenchi até transbordar um pouquinho com a garrafa cheia, aspirei a água, sorri feliz.
de lá pra cá ainda. pizza sobrando, frango à passarinho sobrando, faca, garfo, colher, prato, coisas sujas, ketchup fora da geladeira... hmmmm ketchup com pizza. um pedaço, dois, três, meio pedaço só. queijo brie na geladeira, queijo brie, ketchup e pizza. de novo o bebedouro, preenchi novamente o copo, não deixa pingar, não deixa. subi para o quarto. barriga estourando, imagina só se eu explodisse exatamente agora, minha coluna dói demais. vou explodir mesmo.

entro no quarto. ventilador ligado, parece que o quarto fica mais quente, luzes acesas. será, será que isso tudo aqui tem o mesmo ar de quando você foi embora? devo estar respirando.

preciso de uma faxina, todo mundo precisa de faxina. fiquei pensando se de repente era com ch. luz do banheiro acesa também. luz do banheiro é uma praga. apago. cheiro de pizza na mão direita, chocolate na mão esquerda. meus óculos escorregando para a ponta do nariz. muito óleo. vou tomar um banho.

um gole de água, paro, respiro, olho para cama. casacos, roupas, desodorante, uma caixa de giz de cera, toalha molhada, toalha molhada, almofadas, vento do ventilador, cumbucas de sorvete. livros.

olho para baixo, palitinhos do japonês de ontem, uma lata de suco de uva, pingos da minha água, um lixo tombado, sandálias.

olho para frente, celular, cumbuca de sorvete, caneca, a água, câmera, celular, outra lata de suco de uva, remédios, anel de lata, pano para limpar a mesa, computador, caderno, fotos, livros, livros, agendas, fios de cabelo, minhas mãos.

olho para dentro, esqueci do que eu era por dentro, um rim, dois rins, coração, fígado, estomago, vesícula, batata, chuchu e abobrinha.

quero que você volte.
.

Capitulo dois.

acordei, ainda não era a chuva. abria uma fresta de olhos e rezava para ainda estar claro, ainda está claro, por favor. não queria a noite. voltava a sonhar. acordava de novo. liguei para o 130. duas horas ainda, duas horas e dois minutos. sonha mais, sonho com botânica, pesquisa, biologia, amigos. acordo de novo. 130 mais uma vez, já são três. daqui a pouco não vou ter mais tempo de fazer nada antes da noite. levanta, levanto, olhos grudados, meio tonta, ligo o computador, já está ligado, merda, esqueci de desligar. toca um pagode na caixa de som, quebra a caixa de som. tou pensando em tomar um banho, deixo pra depois. penso em você rapidinho, deixo pra lá. olho a caixa de remédios, preciso de um copo dágua, depois eu tomo. algumas horas passando, vou pro banho, ainda está claro, leio todas as besteiras que escrevi. penso: com o tempo as coisas vão ficando mais fáceis.
.

Capitulo zero.

você veio aqui, me beijou. agora estou ouvindo Paco de Lucía. tem um ser chamado estúpido cupido falando comigo no computador. você não vem aqui faz tempo, por tanto, isso é uma lembrança. você veio aqui, me beijou. pedi para alguém me trazer um copo dágua, tomei o remédio. você disse que eu não tinha problemas psicossomáticos. não tenho. meus problemas estão nos neurônios. psiconeurológicos?. eles pulsam. pulsam. pulsam e ficam pensando. um absurdo, outrora quis ser animal. menos animal que sou. um cachorro. o seu cachorro. morreria de catapora se não fosse de saudade. isso tudo é um grande equivoco, repito para mim mesmo. talvez eu não te procure nunca mais, talvez eu suma, talvez eu doa, mas não dói mais. ouço ainda Paco de Lucía, o cara é muito bom. gosto de bom pra dedéu. é uma delícia. bom pra de-déu. estimo ter mais uns dois goles dágua, depois acaba. olho para todos os cantos, tudo continua o mesmo, só eu, que agora estou de banho tomado. acho que a chuva parou. uma pena, logo, logo, chega a noite. e o pior da noite é que não tem amanhã. amanhã é segunda e segunda não tem manhã. bebo igual passarinho, faço biquinho, mato melhor a minha sede. não era sede que eu tinha. era angústia. preciso levar essas cumbucas e esses copos e essas canecas e esses lixos pra cozinha. depois. sempre tem depois. se você tiver raiva de mim, me mate, me mate que eu vivo melhor. vivo do que não me matou. e você não mata nem abobrinha. você mataria o quê por amor? hoje a noite também não tem novela. aluguei uns filmes, vi todos com pipoca ontem. hoje escurece mais tarde e acho isso horrível, tenho a impressão de que o dia está me enganando. penso que são cinco horas, já são seis e meia. daqui a pouco, faltam trinta minutos para ser de noite. vou para a rua desejar boa tarde à todos.

tem pessoas que batem na porta. eu não atendo. não atendo nunca. nem o telefone, esse eu tirei do gancho. não carreguei o celular, ninguém quer me encontrar. ninguém vai. todo mundo, se quiser. que adianta eu adorar astrologia, o quê né. vou fazer bruxaria, só pra poder encher a água de longe. vem, vem, vem bebedouro, vem. ainda tenho um gole. a porta trancada o tempo todo, abri uns centímetros de manhã para gritar. minha alma está na parede do meu quarto. grudada, incrustada, está aqui também. pedaço de você eu nunca tive. pedaço de mim você tem de monte, mas só gosto de fazer boas trocas. dá lá dá cá. entende? dá lá dá cá.

tenho pipoca ainda, mas hoje o dia vai ser de jejum, meu domingo de jejum. quero todos os abraços.

tempo

olha bem essa cicatriz.
percebe que está fechando.
pensa
quanto tempo mais
você vai deixar cicatrizar.

tolo

ser escritor é não se permitir falar
todas as coisas que se quer falar.

ser um bom escritor é conseguir falar todas
as coisas que se quer falar sem que ninguém
perceba.

muito vivo.

vou morrer dentro do quarto.
vou tomar um vinho.
vou ligar o ar condicionado.

se você não cuidar de mim agora
eu te cuspo

juro

olfato.

ana virava de lá pra cá na cama, o dia, a tarde, o sono, já iam longe. ela dormia num incomodo de estar quase acordada, dormia com os olhos e as pálpebras macias, o corpo estremecendo. se encaixava nas ondulações da cama, passava a mão em toda a superfície do seu tronco, o ventre, a cintura, seus seios, o pescoço, a nuca. queria se sentir ali, viva. desejava por vezes não ter seios tão grandes, ou tão pequenos, não ter cabelos tão curtos, ou tão grandes, desejava tudo, e nesse momento, quando analisava com a mão seu próprio corpo, é que sabia entender a sua imagem, a sua alma, os seus desejos. dobrava o pescoço para todos os lados, nua, de barriga para cima, de barriga para baixo, ao pé da cama, do lado contrário, de todos os jeitos. cheirava todas as coisas sem cheiro que provavelmente era o seu odor absorvido pela casa. perpassava lenta e ansiosa o nariz nas dobras do lençol, do travesseiro, do edredon, mais uma vez e sempre, quase dormindo, quase sonho, quase sol,. fazia isso repetidas vezes, incessantes vezes, infinitas, era a cadência que ela escolhera. se deixava levar. cheiro. cheirar. cheiro. cheira. foi num repente. é num repente. que ela sente. ela cheira você. você mesmo, interlocutor em segunda pessoa. não era perfume, não era cheiro de nada, era cheiro seu, cheiro da pele. da sua pele. pele branca, macia, intacta, densa, suave, pele impregnada naquele colchão. pele pra poder amar. ela amava. ela tinha um coração todo pra você. pra você e pra ela. praquele cheiro. e não por menos, sempre não por menos, logo que seus sentidos, suas narinas, seu olfato anunciaram tal percepção, ou seja: você. despudoradamente você, invadindo aquele ritual sagrado, sua cama, sua luta, seu sono, logo após essa invasão, ana entrava na percepção racional de querer te controlar. ela não sabia nem saber que era você, ela sentia, ela queria parar, queria guardar, pegar, estrangular aquele cheiro. acariciá-lo. queria tudo. queria tê-lo. precisava tê-lo. pateticamente, só por isso, teimosamente assim você sumiu. você sumia. o odor era de nada de novo. odor de nada. cheiro de nada. ela queria você. ela precisava de você. abriu os olhos. voraz e com raiva. desespero, embriagando-se por acordar, analisava. farejava tudo consciente agora, devorava, inspirava, engolia o quarto inteiro. de novo. de novo. cadê. cadê você. não se acha, não se pega, não se prende. não se tem. você deve ter morrido pra sempre, você deve ter nunca existido. você era o ar. você não era e isso ela não podia aceitar, te buscou de novo, ela não descansava, ela lutava, lutou e com tudo, até a última gota, até por fim, enfim, perceber o cheiro de peixe da cozinha.

ponha uma vírgula:

o amor é idiota.

capítulo infinito

a comi. e com pose de machão.
acariciando-me disse muitas coisas:

- vou beber o resto do seu vinho.
- vou arrumar a maquiagem.
- vou-me embora.

I wanna make a supersonic man out of you

sou frágil pra caramba cara:
pra caramba.

engulo meus remédios na ansiedade da torneira...

quinta-feira, setembro 06, 2007

anna friedman gonzalo.

caçula

anna tinha preservado da infância a mania de pensar. digo, pensar não como um ato natural da vida, mas como um hobby. na hora do almoço, assim que chegava da escola, escolhia não comer de propósito pois achava que o jejum era a melhor forma de pensamento, o corpo não se ocupava de nenhum desses obstáculos "fúteis" como ela mesma costumava dizer e podia enfim se concentrar na mente. nas primeiras horas, deitava na cama, sempre de barriga pra cima e ligava um tal botão. "hora de pensar". não que fosse totalmente fácil porque de meia em meia hora se adentrava alguém no quarto, ou o telefone tocava, ou então ela mesma estava distraída demais para se concentrar. lembrara que nessa idade ela pedira a mãe para por uma chave no seu quarto, tendo como resposta que crianças não mereciam tanta confiança. nas vezes que alguém a pegava no meio desse processo, rapidamente fechava os olhos e fingia estar dormindo - mas essa menina só dorme, ela não faz nada na vida. quero ver quando for adulta, deixa ela josé, deixar?
quando o dia estava muito agitado e era mesmo impossível se concentrar, ana ia para a banheira, deitava, experimentava cobrir os ouvidos dágua e fechava os olhos. para ela, quanto mais os sentidos estivessem bloqueados, mais conseguiria entrar dentro de si mesma. chamava isso de 'abrir os olhos do pensamento'.
lá com seus vinte anos, ao se mudar para um apartamento pequeno, fez questão de escolher um lugar que tivesse banheira e logo que se mudou tratou de providenciar uma chave para a porta. embora mesmo morasse apenas com uma amiga e elas pouco se trombassem. o apartamento era de dois quartos, tinha uma pequena sala de estar, cozinha pequena com uma copa e ainda mais um quartinho de empregada, onde naturalmente só tinham entulhos.
no cartório, seu nome, anna friedman gonzalo. mas nem sempre era esse o nome que usava. às vezes o assinava com um 'n' só, às vezes assinava só fried. às vezes nem assinava. quando a perguntavam a causa dessa inconstância, simplesmente respondia - não entendo porque a gente tem que ter um nome só. eu não tenho.

de madrugada, a sua hora preferida ficava entre as 2h e as 5h da manhã, sentia que esse espaço de tempo reservava todo o mistério da vida. talvez isso fosse mais um pensamento dos seus 12 anos, quando ficava acordada propositalmente acreditando que se mantivesse bem a concentração poderia ver os sonhos e os desejos de qualquer um. de uma forma ou de outra o costume insonial não foi embora e a melhor parte da casa, depois da sala, aquela hora, era a cozinha. havia algo mágico na cozinha o tempo todo. que a deixava leve e tranqüila. se ela fosse uma escritora, se um dia ela fosse uma escritora. se ela se importasse em ser uma escritora. certamente escreveria sobre a cozinha. mas isso lá não tinha tanta questão.

uma das primeiras noites no apartamento ana resolvera pintar o quarto e assim o fez, de uma hora para outra as paredes todas estavam pintadas de verde e marrom. ao terminar o trabalho, sentou no chão e ficou estagnada. olhava para tudo o que tinha feito de forma quase pálida, parecia estar sendo absorvida pelas paredes quando começou a chorar. soluçou triste. sua amiga, giovana, giovanna, gio, acordou e não entendeu o que estava acontecendo. ao tentar se aproximar, a amiga se esquivou, subiu para cama e adentrou num sono instantâneo e quase profundo. inexplicavelmente ana não era nenhum tipo de enigma nem uma solução. era apenas um fato. ela acontecia e ninguém que se relacionava com ela o suficiente para conhece-la um pouco tinha a pretensão de compreende-la, a deixavam dessa forma sabendo que nada adiantava tomar outra atitude. do mesmo jeito, gio ao ver a amiga dormindo, virou-se e voltou para o quarto sem nem se perguntar o porquê.


do verbo trepar

na sua adolescência cultivou alguns namorados. transou algumas vezes. beijou algumas outras. Se, se apaixonou. não sei. nunca vi ana sair de si. na verdade, essa sempre foi a sua maior característica, estava sempre submersa em si mesma. todas as relações que ela teve, e que ela tinha, vieram com um sopro de vento e assim se foram. sem muita magia, sem muitas agonias.

Felipe seu primeiro namorado, cabelo castanho escuro, menino doce, tão doce que ana gostava de ficar com ele só pela suavidade. nunca a invadia nem nunca procurou entender um pouco mais daquela menina tão diferente. talvez fosse mesmo isso que o encantasse, aquele pequeno mistério e que fazia da vida uma brincadeira infantil. ficaram juntos boa parte do colegial e mais um ano de faculdade. pouco conversavam. eram mais dos pequenos gestos e da companhia. muitas foram às vezes em que saiam juntos e não trocavam uma só palavra. conseguiam se entender num jeito só de olhar. só de agir. o lugar preferido dos dois, e foi determinado como lugar preferido só por ser determinado, pois ninguém o fez explicitamente, era a praia da joatinga. segunda-feira de manhã era sempre o melhor dia. todo mundo começando a rotina. e eles às vezes matando aula numa sapequice ingênua. sentavam na areia, sentiam se seguros pelas rochas ao redor e ficavam olhando o horizonte. de quando em vez um deitava no colo do outro e só. aquilo bastava. com o passar dos anos o pai de felipe vinha tendo planos para o filho único, no primeiro ano de faculdade no qual os dois resolveram cursar letras, o menino logo foi mandado para exterior, foi estudar alguma coisa qualquer para seguir os desejos do pai e eles terminaram assim. sem uma palavra e sem uma tristeza. terminaram do mesmo jeito que começaram por terminar e começar. ana o abraçou naquela quarta-feira e sorriu. felipe a beijou a testa e deixou cair uma lágrima de beleza no olho esquerdo. depois disso. depois disso passaram-se dois anos e os dois, nunca mais se ouviram falar.

seu segundo namorado foi antônio. esse já um pouco mais agitado. conhecera ali mesmo na faculdade. só que o outro cursava engenharia. nem sabia porque cursava engenharia. mas cursava engenharia. ele gostava de ficar contando as sardinhas das costas de ana. e assim, se entenderam por algum tempo. ana sentava ao sol, ele se punha atrás dela e começava a fazer canções e inventar historinha de uma sardinha conhecendo a outra. num dia qualquer, parece que ele conheceu uma loirinha idiota e os dois pararam de se ver. naturalmente. assim como começaram. naturalmente. mais uma vez.

o terceiro namorado foi marco antônio. era um playboyzinho chato. aliás, era assim que normalmente o chamariam. baixinho, encrenqueiro. gostava dos cabelos de ana, dos olhos profundos e rasos e que nada diziam e que tudo diziam. ana nunca havia prestado tanta atenção nele, e como um bom baixinho, talvez isso soasse como um desafio. marco tinha um carro o qual ganhara de seu pai com dezoito anos, agora com vinte o trambolho já havia passado por umas oitenta reformas e ganhara o nome de cajuzinho. vai entender porque, nada precisava ter um porque. as terças e quintas ele pegava ana e os dois iam passear, fazer qualquer coisa que um casal de namorados poderia fazer, inclusive transar bastante. ela nunca opinava e não fazia questão. ele adorava ser o macho. às sextas, com o cajuzinho, iam para um bar conhecido, bebiam algumas coisas, ana gostava de vinho. marco antônio uma cerveja. e mais outra. e mais umas infinitas. certo domingo, num churrasco qualquer, marco havia passado da conta do álcool e começara a se irritar com tudo. até se ana abaixava a cabeça ou se ana mexia o braço. mas ela não se importava, continuava fazendo as mesmas coisas e ele, na verdade, ele é que se importasse com o que quisesse. algum tempo depois, marco por qualquer motivo agarrou ana no braço, quis impedi-la de fazer qualquer coisa, segurou firme e a olhou com olhos de cachorro. ela com os mesmos olhos que diziam tudo e não diziam nada. olhou serena e vazia e qualquer coisa de volta. plana, a serenidade o assustou. marco tremeu a retina, suspirou com raiva e saiu andando. depois disso. depois disso nunca mais. e mais uma vez, tanto fazia.


a música

em alguns anos ainda no ensino médio, ana participou do coral do colégio. um coral um tanto erudito, mas ajudava a passar as tardes tranqüila. e cantar, cantar era uma forma de abstrair também os outros sentidos. era um pensar corporal. ana gostava de qualquer coisa assim. que concentrasse uma mente só. do corpo ou da consciência.
lembrava de ter visto algumas vezes felipe na platéia a observando enquanto cantava. gostava daquele menino ali, e quando foi embora, não se preocupou em sentir saudade. cantar. cantar era a única função. depois que cansou disso, tomou um curso de flauta transversa com um tio músico. agora durante as tardes costumava tocar na janela e observar o mundo sem estar a observá-lo nem a incorporá-lo completamente.

gio tinha um violão, e nas vezes em que as duas ficavam sozinhas em casa, sem nada para fazer, sentavam no quarto de ana, que quase não tinha móveis, no colchão posto no chão e inventavam algumas canções. nessa hora, ana olhava para suas pintinhas e lembrava de antônio, aquele menino animado e sem caminho. nem sequer pensava no rumo que ele haveria tomado. nem sequer se importava. lembrava que havia sido bom e só. as coisas não precisavam ir além.

já marco antônio não gostava de música. talvez sempre por isso lembrava dele. pensava que a ausência de algo era sempre a melhor forma de marcar sua presença. pensava nele, lembrava daqueles olhos de cachorro e sorria. achava graça, por mais bruto e perdido, marco era engraçado. acho que era por isso. ana achava que era por isso que ficara com ele tanto tempo. digo, tanto tempo comparado ao que ela não ficaria com ele. baixinho e invocado, marco era uma piada gostosa.

no final da noite, lembrava de vez em quando também de seu pai. morrera quando tinha lá para seus 15 anos, quando estava começando a namorar felipe. ele quase não falava com ela. quase não falava com ninguém. quase não aparecia. sempre escrevendo naquela velha maquina de escrever. - mas josé, você vai continuar usando essa geringonça? vê se me deixa. - e virava de novo e continuava a trabalhar. escrevia escrevia escrevia. aquele som era bom. tec tec tec tec.

já a mãe. a mãe ela só lembrava quando o telefone tocava. ele não havia nenhum outro motivo para tocar. só ela. a mãe era a única força movida pelo telefone. desequilibrava toda a serenidade da casa. mas com o tempo, com o tempo aquele som irritante passou a ter seu ritmo e assim, assim tudo voltava a se equilibrar. sem muito esforço. sem muito nada.

a única coisa que desagradava ana eram os passarinhos. todos aqueles lindos passarinhos piando de manhã. isso não tinha desculpa. não tinha perdão. aqueles passarinhos eram terríveis e ela não entendia porque de manhã. porque, logo de manhã! com o tempo acolchoou sua janela com pequenas esponjas, e parece ter feito um bom negócio. o som dos daqueles pintinhos bastardos só a atrapalhavam quando o sono era leve. de resto, dormia feliz.

externalizou

foi aos 23 anos que aconteceu um fato realmente marcante. mas se eu o conto como um fato já marcante, talvez ele não soe tanto assim. para ana foi. para ana foi e ela nem sabia.

num dos dias, se divertindo sozinha como de costume começou a vestir algumas roupas e interpretar personagens no espelho, fez muitos até achar um casaco que parecia um de pirata. gostou do estilo, pôs uma calça qualquer preta, um cinto de marco que permanecera por lá, uma blusa branca meio desbotada, pegou um colar de gio que parecia algo como uma ancora. na verdade, ela fingiu que parecia uma ancora. pôs um chapéu marrom escuro e desgostou dos seus cabelos. fez um rabo e continuou desgostando dos cabelos. enfim, jogou tudo para dentro do chapéu e ficou parecendo como se tivesse os cortado. fez uma expressão de quem é pirata a muito tempo e riu satisfeita. seus seios não eram mínimos, mas também não eram grandes. eram seios justos. de alguma forma nem se apercebiam naquela roupa extravagante. seu rosto era delicado e suave. não tinha grandes traços femininos, nem grandes traços masculinos. tinha apenas traços. quase sem cílios, quase sem sobrancelhas. olhou mais uma vez para o espelho e falou: meu nome é anna friedman gonzalo. não. meu nome é gonzalo.

saiu na rua e foi até o bar onde ia sempre na época de marco. sentou na mesa e de instantâneo lembrou uma imagem de seu pai pedindo gin ao garçom. sempre com pose de homem. - traz um gin meu camarada! - copiou-o exatamente. sorriu de um jeito de sorrir bonito, como antônio sabia fazer e apoiou o braço sobre a mesa. como marco. como antônio. como seu pai. como todos os homens, menos felipe.

bebeu um, dois, três copos de gim e se sentiu feliz. falava alto com o garçom e tinha uma risada graciosa. quando a madrugada já vinha despencando decidiu voltar pra casa e assim o fez. depois disso, periodicamente anna começou a ser gonzalo. toda quinta-feira. gonzalo aparecia naquele mesmo bar, onde os camaradas, como chamava quase todo mundo, já o tinham nomeado o rei do gim. - meu nome é gonzalo. - e todos se divertiam com ele. com ela. com ele e com ela. numa das vezes, inesperadamente uma loira. bochechas macias. cabelos curtos e nem muito curtos, cacheados um pouco, lisos um outro pouco. sentou-se numa ousadia qualquer na sua mesa. bem a sua frente e disse - serei a rainha do gim essa noite. - anna não gostou da intromissão, ou pareceu não gostar e procurou não dar atenção para a moça. chamou o garçom e pediu uma vodca. - então você não vai olhar pra mim? - ana se concentrou, tomou um gole de vodca e cantou dentro de si qualquer melodiazinha que a fizesse esquecer os outros sentidos de percepção. mas não adiantava. ela sentia uns olhos plantados nela. e lá estavam eles. intactos. fixos. abusivos. ana levantou a cabeça, por um segundo sentiu uma vontade de chorar e só pode resmungar - meu nome não é gonzalo. muito bem, gonzalo que não é gonzalo, qual o seu nome? anna. anna friedman. é um belo nome, você aceita um cigarro? não fumo. ah, só o gonzalo que fuma então? talvez. anna você e corajosa? quero dizer, você tem culhões? - foi o único momento em que ana conseguiu olhar diretamente nos olhos da mulher - não importa.

sexta. sexta-feira como haveria de ser. acordou num salto, ainda estava escuro, ou não, na verdade eram as cortinas. deus, será que eu estive tão bêbada que sequer me lembro da noite passada? e não sabia mesmo. como havia chegado em casa. e qualquer coisa. sentiu medo. como um medo nunca sentido. anna não era dos medos.

quinta-feira próxima ana não foi ao bar. não vestiu a roupa de gonzalo. não lembrou da loira. não fez mais nada. ana foi só ana. como sempre havia sido. e esqueceu. esqueceu pra sempre quem fora anna friedman. e quem poderia ser.

cigarras

preciso fumar um cigarro

é uma linguagem tão corriqueira que eu quase me arrisco. fumaça muda dentro da minha poesia.

mas hein, que estranhice! me ler é um monte de merda. ainda mais quando a humanidade evapora e posso ser toda seca e áspera e despretenciosamente imbecil. eu quis dizer, infantil.

- mamãe, me dá um cigarro?
- faz mal.
- então por que a sra. fuma?
- porque eu já estou velha.
- ah. então quando eu for uma mamãe do seu tamanho vou poder fumar?
- vai.

e a menina se afastou desengonçada brigando com a boneca.
- que isso maricota, cigarro não é pra você,
dá-me um trago que eu sou bem prepotente.

divina comédia animal

dizem esses existencialistas
que a vida só há quando a vida passa
sem haver de se perceber a passar.
esses animalescos
se não sofrem o quadro esquizo das minhas angústias
não haverão
de conhecer minhas alegrias.

quarta-feira, maio 30, 2007

meus.labios.feridos.

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meus.labios.feridos.

melindrados por um sangue insosso.
mordem-me, quebrados.

estupidez insana.

chacinas de alma e corpo.
faz-me morrer
e terminar
dentro
de pequenos
contornos.


[outros]

quarta-feira, janeiro 03, 2007

antes de tudo diz-me que sou uma besta.

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Diz-me ainda que não preciso dar final a nada meu bem. finais são demais e eu não tive uma idéia genial
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antes de tudo diz-me que sou uma besta.

terça-feira, dezembro 26, 2006

sangue etílico.

a humanidade um dia morre.
quem vai querer castrar o amor?
todos somos filhos
de um sangue etílico
quem vai ter pudor
e quem vai ser o rei do mundo.
silêncio do meu fígado
glicose e água pra me diluir.
o sexo pra me perfurar
me santificar por aí
com seus olhos fundos.

romeu grippi.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

De ser plano de tudo.

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Ninguém chora
nem mama.

nem quer se desesperar.
nem vai amar
ninguém.

nem a doçura.
nem a loucura.
nem o gozo.

nem o nojo
vai chegar
em mim.

Desprezo
rezo
por você.

-Fuck-off.

é sua estupidez.
não minha.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Tua.

Tua boca e
Tua pele
suaves
por mais secas

Teus cabelos
leves e
longos
por mais curtos

Tua voz
tímida e
doce
por mais rouca

Teu corpo
moldado
entregue
por mais oculto

Teu seio
macio
intacto
por mais miúdo

Teus olhos e
Teus olhares
inocentes
por mais vividos

Teus dedos e
Teus toques
serenos
por mais ásperos

me fazem por toda a vida
amar-te
a ti, como todas as outras.

ladrões de vinho.